Psicologia Comunitária

Bases teórico-metodológicas da Psicologia Social Comunitária

Relações comunitárias/ relações de dominação

Relações sociais: que é isso mesmo?

Algumas definições

”uma ordenação intrínseca de uma coisa em direção a outra"

uma ordenação, um direcionamento intrínseco (necessário) de uma coisa, em direção a outra.

Uma observação interesse do autor é que nem sempre relação é algo que “une”

O conflito, por exemplo, é uma relação, como a rejeição, a exclusão.

Relação existe sempre que uma coisa não pode, sozinha, dar conta de sua existência, de seu ser.

A percepção da relação é, pois, uma percepção dialética, percepção de que algumas coisas ”necessitam” de outras para serem elas mesmas.

Como as pessoas se veem?

como se fossem ”indivíduos”, isto é, entidades que ”não têm nada a ver com os outros”, isolados, suficientes em si mesmos (filosofia liberal)

Outros já tomam o ser humano como se fosse ”peça de uma máquina”, parte de um todo. Sua explicação é dada pelo ”todo” (o estado, a instituição);

algumas não se ”explicam”, nem se definem, apenas a partir deles e ”neles” próprios. Sua subjetividade é um ancoradouro de milhões de ”outros”, de relações.

há os que vêem os demais, e se consideram a si próprios, como pessoas = relação, isto é, seres que em si mesmos implicam outros; seres que ao se definirem já incluem, necessariamente, outras pessoas

Relações sociais como elemento definidor dos grupos

Agora, no momento em que se estabelece qualquer ”relação” entre pessoas, começa aí um grupo. Elas têm de ter algo ”em comum”, e esse ”comum” é exatamente o que pode estar tanto numa, como noutra pessoa;

Não é a quantidade ou a localização que define um grupo, mas sim as relações entre pessoas, o que um individuo tem que se orienta no sentido ao que outro individuo também se orienta;

Visão estática versus visão dinâmica de grupo

Se eu vejo, então,o grupo a partir de ”relações”, eu vou ter uma visão de grupo sempre ”relativa”,;

incompleta, em construção, em transformação. Isso quer dizer que nunca posso ”fechar” a compreensão de um grupo, saber tudo sobre um grupo.

Se ele se constitui a partir de ”relações”, estas relações são dinâmicas, sempre mutáveis, podem mudar de um momento para outro

Multidão (massa), público

Para se discutir posteriormente, comunidade (relações de grupo onde as pessoas se conhecem e se estimam), inicialmente, é preciso apresentar os conceitos de multidão/massa e público (p. 86):

Multidão/massa: grande número de pessoas no mesmo local, diferente de grupos, são “amontoados de gente”, em geral não se conhecem. São perigosas, não existe relação entre as pessoas, da margem ao surgimento de um líder, que pode manipular. É marcada por sentimento de irresponsabilidade e impunidade (não saber quem fez o quê).

Público: são multidões sem continuidade física, exemplo, pessoas em diferentes locais, sintonizadas num mesmo canal de televisão, mas não se relacionam em outros aspectos. Os Meios de Comunicação de Massa, podem manipular e condicionar pessoas, são relações unidirecionais, sem retorno.

Relações e relações

Uma relação sempre implica outros, é dialética, pode ser de várias maneiras diferentes, mas nunca vem de um único indivíduo. As relações são mais latentes que manifestas, são dinâmicas e estão sempre em transformação. Para detectar um grupo, é preciso examinar cada caso, precisa de observação, discernimento e paciência. A vida social se constrói nas e pelas relações, pode ser identificada com ajuda de instrumentos de pesquisa, pois são, diferentes e contraditórias. A observação se dá pelo grau de manifestação, intensidade, abrangência e generalização. Não pode se quantificar, porém pode colocar numa escala de mais ou menos: gerais, intensas ou fixas. p. 87

Relações de dominação

É preciso distinguir poder e dominação:

Poder: capacidade de poder executar alguma ação, uma prática. Todas as pessoas possui algum poder, até quem não exerce/ocupa de forma oficial, mas na prática têm capacidade. p. 89

Dominação: é a relação de pessoas, grupos ou entre pessoas e grupos, de forma que uma das partes se apodera do poder/capacidade de outras. Relação assimétrica e desigual. p. 89

Origem da dominação

Para compreender a origem do conceito de dominação é necessário a compreensão do conceito de ideologia.

Conceitua-se ideologia como sendo, a utilização de formas simbólicas que vão dar sentido e significado a determinadas realidades, e sustentar e reproduzir tipos de relações justas, éticas, como também criar e sustentar relações assimétricas, desiguais, injustas.

Esses significados e sentidos têm sempre um significado de valor, positivo ou negativo.

O sentido positivo refere-se a um conjunto de valores, ideias e crenças de determinada pessoa ou grupo.

O sentido negativo que está relacionada a ideias enganadoras e distorcidas expressando os interesses dominantes e proporcionando uma relação de dominação.

Diferentes formas de dominação

São inúmeras as formas de dominação.

Dominação econômica acontece quando alguém priva ou rouba a capacidade de trabalho de outras pessoas.

Dominação política é estabelecida entre pessoas, ou grupos, e os responsáveis pelo
Bem,são as relações que se dão entre o estado, o governo e os cidadãos na sociedade.

Dominação cultural se dá a partir de um conjunto de relações entre pessoas, ou grupos que solidifica e se cristaliza de forma assimétrica e desigual. E muitas vezes pensadas e tratadas como naturais das pessoas e das coisas.

Essa dominação possui muitas formas, cabe a cada comunidade identificar quais relação de dominação estão presentes em seu meio. Exemplos:

O racismo é criação de estereótipos e discriminações de um grupo racial sobre outro.

O patriarcalismo consiste na constituição da desigualdade e superioridade nas relações de gênero.

O institucionalismo acontece quando coloca-se uma instituição, como a única verdadeira, ou como mais importante que todas as outras. Ex: a igreja

Relações comunitárias:

São as relações que embasam uma prática comunitária com o objetivo de “conduzir a uma sociedade verdadeiramente democrática, participativa, igualitária.” (p. 94)

Comunidade: o que é isso?

Para Marx, é “um tipo de vida em sociedade ‘onde todos são chamados pelo nome’”, ou seja, “significa uma vivência em sociedade onde a pessoa, além de possuir um nome próprio, isto é, além de manter sua identidade e singularidade, tem possibilidade de participar, de dizer sua opinião, de manifestar seu pensamento, de ser alguém.” (p. 93).
Visão do ser humano como pessoa = relação supera dois extremos: a do ser humano individualista, fechado em si mesmo, visto da ideologia liberal; e a do ser humano parte de um todo, a serviço das instituições, com sua subjetividade desconsiderada.
Em uma comunidade, ao mesmo tempo que a pessoa mantém sua singularidade, não independe da comunidade, pois o mesmo depende dos demais para sua plena realização. Seus interesses pessoais, portanto, não se sobrepõem aos da comunidade. (p. 95)

Só é possível existir democracia a partir de verdadeiras comunidades. Além disso, nelas as pessoas possuem direitos e deveres baseadas em relações igualitárias e afetivas, sendo as pessoas amadas, consideradas etc. (p. 95, 96)

O trabalho comunitário

Ao ter contato com a comunidade considerar:

“Um respeito muito grande pelo ”saber” dos outros. Isso exige que eu comece por prestar atenção não apenas ao que as pessoas dizem, mas também ao que as pessoas fazem. E só podemos chegar a isso na medida em que nós formos inserindo nas comunidades, com cuidado e humildade, como alguém que pede licença para poder participar;” (p. 99)

“Que o projeto inclua, além do diálogo e a partilha de saberes, a garantia de autonomia e autogestão das próprias comunidades. Afinal, são eles que lá vivem, e que vão continuar a viver. Quem vai por um tempo, para prestar um serviço, para partilhar seu saber, não pode retirar das comunidades essa prerrogativa fundamental de liberdade e autonomia. A autogestão é o ápice de relações genuinamente democráticas, onde há participação de todos.” (p. 99)

Inserção na comunidade e análise de necessidades: reflexões sobre a prática do psicólogo (DE FREITAS, Maria de Fatima Quintal. 1998.)

Psicólogo e Comunidade: uma relação possível

Tanto o psicólogo como a comunidade, podem agir de formas diferentes, orientados por visões de mundo que às vezes podem ser incompatíveis e opostas. (p.3)

Modos de Intervenção: Preocupações

Inserção guiada por uma preocupação de que o trabalho estivesse voltado para a militância e participação políticas. (p.4)

Inserção reveste-se de uma preocupação ligada à filantropia e ao fornecimento de assistência psicológica. (p.4)

A inserção acontece com uma preocupação da ordem da curiosidade científica. (p.4)

Inserção que se dá na dependência da avaliação da população, comprometendo-se com a possibilidade de mudança social e construção de conhecimento na área. (p.4)

Modos de Intervenção: objetivos norteadores

Considerando a existência ou não de objetivos norteadores para o trabalho a ser realizado, a inserção tem acontecido de duas formas:
1) Objetivos, motivos e preocupações que orientam o psicólogo antes mesmo
deste conhecer e contatar a realidade em que pretende trabalhar. Destarte, pode-se dizer que é uma inserção orientada por objetivos de trabalho definidos a priori. (p.4)

2) Uma segunda forma de inserção, em que o contato e a entrada que o psicólogo constrói na comunidade acontecem orientados pelas necessidades que a população vive, sendo portanto os objetivos norteadores do trabalho definidos a posteriori. (p.4)
A segunda forma de inserção, tem algumas algumas variantes:
2.1) A primeira forma de inserção em que, após conhecer, levantar, descrever e caracterizar as necessidades da população e sua dinâmica de vida, o psicólogo decide, o quê fazer, porém sem a discussão e a participação da população nesse processo. (p.5)

2.2) A segunda forma de inserção, em que a definição do quê e como fazer - ao mesmo tempo uma especificidade técnica e profissional - se dá em discussões e tendo a participação conjunta da população. (p.5)

Tipo de Inserção segundo os objetivos: Consequências

Para inserir-se com objetivos definidos precisamos ter alguns aspectos considerados:
1) Entrada na comunidade onde os limites sobre o que fazer são mais claros, onde torna-se mais fácil identificar os fenômenos psicossociais e os instrumentais que devem ser utilizados. (p.5)

Dessa forma o papel do psicólogo não é questionada e muito menos sua identidade como profissional e produtor de conhecimento
2) Outro ponto que devemos levar em consideração é o fato da comunidade também não ser questionada em seu papel, sendo tomada como agente passivo diante do trabalho do psicólogo. (p.5)

Em uma outra possibilidade existe o levantamento de demandas da população para então existir uma intervenção, tendo isso em vista é necessário dois pontos principais
1) Em primeiro momento a incerteza do que e como fazer e só então conviver com a comunidade fazendo o levantamento para intervenções. (p.5)

2) Em outra forma comunidade e psicólogo mantém relação horizontal não tendo seus papéis fixos estabelecidos, assim delimitam objetivos em um processo decisório participativo

Falando da Inserção e da Participação da Comunidade: Alguns trabalhos

Iremos nos debruçar sobre a inserção em que os objetivos são definidos a posteriori com a participação da comunidade, esta escolha de atuação do psicólogo na comunidade gira em torno de melhor construir projetos naquela terra fazendo a comunidade ter papel primordial na construção de sua própria história, esse tipo de inserção vem sendo usado na América Latina, pois compreende o homem em sua totalidade histórica e como protagonista da história coletiva/individual utilizando tanto de uma psicologia social crítica como de uma psicologia política que investiga a comunidade em todo seu aspecto de lideranças e das bases. (p.6)

Dessa forma formaram-se três aspectos para essa possibilidade de delineamento:
1) As necessidades da população indicam o caminho para as intervenções;
2) População assume seu papel no cotidiano desenvolvendo consciência crítica;
3) O psicólogo tem um domínio específico para sua ação ligado aos processos psicossociais, sendo algumas ferramentas de intervenção advém da investigação participante e outros aportes teóricos. (p.6)

Como a inserção pode ser construída: Início, Estratégias e Instrumentos

O trabalho de entrada do psicólogo na comunidade depende de alguns fatores:
1) Contatos e conhecimentos que faz quando se depara com a realidade concreta dos setores populares;
2) Intermediários, individuais e/ou coletivos, que procuram o profissional de psicologia, geralmente com uma expectativa de que ele faça algum tipo de atendimento individual para as problemáticas vividas no contexto comunitário;
3) Tentativas que o próprio psicólogo faz de se fazer conhecer junto à comunidade ou aos seus representantes, tentativas estas orientadas pela preocupação de que é necessário colocar seus serviços à disposição desses setores.
Destarte, o profissional de psicologia busca se tornar conhecido, tentando potencializar as possibilidades de início do trabalho. (p.7)

O trabalho desenvolvido apresenta estratégias que objetivam:
1) Coleta de informações sobre a vida, condições de moradia e sobrevivência, recuperação histórica da construção daquela comunidade;
2) Identificação de necessidades e problemáticas vividas pela população na esfera do seu cotidiano, em termos de processos psicossociais que afetam as pessoas;
3) Detecção dos modos alternativos de enfrentamento e resolução, encontrados pelos moradores no seu cotidiano e nas relações estabelecidas.
4) Discussão conjunta, com a comunidade e seus representantes, sobre as alternativas, e decisão sobre aquelas a serem adotadas, assim como sobre as estratégias para sua viabilização.
5) Constituição dos grupos para a execução das alternativas;
6) Avaliação contínua e reformulação dos caminhos adotados, em função das necessidades e impedimentos que se apresentarem ao longo do trabalho. (p.8)

Por fim, os instrumentos utilizados e/ou construídos nas situações que se apresentam
quando do desenvolvimento do trabalho:
1) Entrevistas que muitas vezes são realizadas de maneira coletiva, fora de um ambiente controlado, com um número variável de participantes do início ao fim;
2) Conversas informais acontecidas nos bares, padarias, pontos de ônibus, caminhando nas ruas, cujos conteúdos vão fornecendo indícios sobre a dinâmica existente na comunidade e sobre o tipo de interação e vínculo que os moradores vão criando;
3) Visitas às casas, a alguma reunião considerada importante, e/ou a alguma festividade;
4) Registros de acontecimentos e/ou episódios significativos em diários de campo, acompanhados de apreciações sobre as interações, as problemáticas vividas e as alternativas de ações encontradas pelas pessoas;
5) Recuperação da história de constituição da comunidade através de fontes vivas, como pessoas significativas, lideranças formais e informais, representantes de entidades, igrejas e templos, entre outros;
6) Resgate de documentos do saber popular e uso de fotografias e/ou objetos e/ou produções oriundas da produção cultural local;
7) Encontros não programados, reuniões imprevistas e debates repentinos acontecidos no seio dos grupos formais e informais. (p.8-9)

Sobre a Análise de Necessidades

Na análise das necessidades, vividas e existentes, o papel do profissional de psicologia é de extrema importância, em termos de se apropriar das informações, das dinâmicas presenciadas e partilhadas, e do contexto comunitário delineado. (p.9)
A maneira como o psicólogo reunirá os dados, para esboçar um quadro diagnóstico e avaliativo, deverá ter, por princípio, um respeito à realidade concreta, à ótica vivencial da comunidade, e às perspectivas que aparecem interiorizadas pelas pessoas nas suas relações. (p.10)
“Que tipo de inserção nos(psicólogo) prestamos fazer ?”
- Inserção que contribui para a produção de conhecimentos sem um envolvimento e implicação com a mudança da vida da comunidade;
- A outra inserção, na qual acreditamos, em que são tentadas formas de participação da comunidade, e em que se buscam produções de conhecimento conjunto, embora tenham um certo ônus e um certo ganho. (p.10)